No colo do comodismo social no qual sobrevivemos, é totalmente satisfatório pensarmos em mudanças revolucionárias, queda do denominado “sistema”, liberdade social, tudo isso por intermédio de manifestações populares. Bem, há alguns meses essa idéia tem sido colocada em prática, mas de uma forma bem estranha.
Acho que a chamada “Marcha Contra a Corrupção” não é novidade para os tímpanos de ninguém, até porque estamos falando de um manifesto nacional. A idéia é plausível e necessária. O problema está na forma prática destes manifestos, começando pelos bastidores ou pela idéia de lutar contra a corrupção, o que é totalmente genérico. A organização acredita que a mobilização social é a ferramenta padrão para consertar a sociedade, mas param nisso. Estive em quase todas as marchas realizadas este ano, sendo que em uma delas fiz parte do corpo administrativo. É deveras eufórico encontrar cérebros ativos, encontrar pessoas com vontade o suficiente para colocar boas idéias em prática. Mas isso não é o bastante. Foi possível aprender que não é difícil juntar pessoas e ir para as ruas, difícil mesmo é causar dados. O número de grupos voltados para as manifestações populares aponta que há algo errado. Vários grupos com as mesmas idéias, com os mesmos métodos, com vários membros, com o mesmo objetivo e mesmo assim não há nenhuma mudança na sociedade.
Não quero parecer aqueles ex-alguma coisa que viram pastores e atacam de forma pejorativa o passado, mas devo ressaltar que as marchas têm mais utilidade como métodos para emagrecimento do que para ações revolucionárias. Não há aquela velha preocupação causa/efeito. Funciona da seguinte forma: várias pessoas se juntam, fecham uma via pública movimentada, ficam algumas horas gritando e levantando cartazes, brigam com a polícia e no final, voltam para casa e descansam. Fico imaginando: será que os organizadores acreditam que isso causará algum tipo de remorso nos nossos governantes e tudo mudará? Isso nunca funcionará. Se a idéia é essa, seria bem melhor colar adesivos do Che Guevara e do Marx em esteiras e ficar gritando em casa, deixando a Paulista livre.
Aliás, esse é outro ponto falho das marchas: o apoio da população é totalmente necessário, digo, é preciso deixar claro que a “luta” é de todos e para todos. Nem todos ficam felizes com uma das principais avenidas de São Paulo parada em pleno feriado. Para os mais conservadores, jovens gritando frases com os chamados “palavrões” não é um ato revolucionário e sim de vandalismo. Os manifestantes querem o apoio da população e reclamam da ausência de telejornais durante a passeata. Bem, acredito que nenhum telejornal irá transmitir jovens gritando frases pejorativas no meio da rua. É necessário ter um vocabulário mais midiático e vender melhor o peixe.
Não entendo essa forma de fazer revolução. Na última marcha fiquei sabendo que o senhor do meu lado era o candidato à prefeitura da cidade. Senti asco em estar ali, em um manifesto vazio, sem fins reais. A utopia virou aliada dos objetivos revolucionários da nossa sociedade. Permitir que um político venda seu peixe em um manifesto apartidário é ridículo. Será que há boas intenções dos organizadores ou não passam de aproveitadores? Se assim for, estamos totalmente ferrados. Como mudar as coisas em uma sociedade que até os revolucionários são acomodados? Como mudar as coisas com manifestantes que gritam qualquer abobrinha que os mandarem gritar? O pior é que quase todos os manifestantes são jovens, o que nos leva a pensar que não sobrará ninguém para tentar mudar as coisas no futuro. Deveríamos aproveitar essa sociedade na qual não é necessário pegar em armas para lutar contra o “sistema”. É preciso fazer tudo com vontade, caso contrário a tendência será piorar ainda mais nossa situação. É preciso derrubar o muro político, condicionar os cães governamentais a atacarem seus próprios donos, atacar de forma nociva, usando apenas a razão como arma. Seria isso possível?
Por Henrique Guedes